26 outubro 2009

Entre a arte e a técnica, dançar é esquecer

Por Thereza Rocha

Suponhamos um término de namoro temperado pelas brigas, mágoas, choros e promessas de – Nunca mais! – de costume. Suponhamos que sigamos o pedido de Eliseth Cardoso na canção, riscando o nome do ser amado do caderno, não suportando mais o inferno daquele amor fracassado. Ao fim de um tempo, o ser outrora amado, será definitiva e resolutamente apagado da memória – quase um defunto. Meses se passarão até que um dia trilhemos um caminhar fresco e novo pela rua andando sobre os passos da vitória. O burburinho dos passantes nos anima, parece combinar com o fôlego renovado de quem triunfou em esquecer. Nesta caminhada campeã, página virada do tal caderno, assim como quem não quer nada, passamos desavisados em frente a uma loja de perfumes e eis que lá de dentro alguém que experimentava o perfume do ser, outrora amado, deixa escapar aquele aroma dos infernos porta afora. É um átimo de segundo para que a pessoa inteira se materialize à nossa frente: a textura da pele, o som da voz, nossa! – eis o fantasma do passado a nos assediar novamente! O corpo não esquece jamais.

Trata-se aqui de um exemplo quase tosco se comparado à beleza e à nobreza das madeleines de Marcel Proust. Mas estamos sim a falar da memória e das lembranças. E de como no corpo, a memória não conhece o passado. A memória só conhece o presente. Do ponto de vista da memória, é sempre hoje, sempre agora. Para uma necessária distinção, aquilo a que comumente chamamos de memórias, receptáculos de passado, serão aqui para nós, chamadas de lembranças. As lembranças são representações do passado; modos como guardamos o passado como tal, como algo que já passou, em um dispositivo a que chamaremos aqui de arquivo, distinto portanto da memória. Pois a memória, segundo nossa perspectiva, é no corpo um motor – um motor de presente – sempre pronta a atualizar a lembrança, tornando-a atual, fazendo dela uma outra, uma outra, uma outra e assim sucessivamente. A memória dá à vida sempre uma nova chance. Do ponto de vista da memória, o passado nunca passou; o passado está sempre a passar, a se modificar. O passado é matéria plástica.

Ao lado da memória voluntária, a que supomos controlar, existe uma outra, tal como nos sugere Proust: a memória involuntária, sempre conjugando dados e acaso, vários dados, de modo quase gratuito, à revelia de nossa vontade e de nosso controle, produzindo assim o tempo – tempo presente – da experiência – tempo sempre a devir. Memória que necessita, entretanto, e paradoxalmente do esquecimento para poder lembrar. O esquecimento como combustível de uma memória sempre a trabalhar. Se lembrássemos tudo, todo o tempo, não nos lembraríamos, na verdade, de nada. É necessário esquecer. É impossível esquecer.

Capítulo 4 do artigo "Entre a arte e a técnica. Dançar é esquecer" de Thereza Rocha, professora do curso de Dança da UniverCidade, doutoranda em artes cênicas na UniRio e professora do curso de pós-gradação em dança da Universidade Católica Dom Bosco.

21 outubro 2009

pausaação


(a inspiração deste post veio da minha amiga Silvia, que o publicou no blog dela, o vertências.)
Cai bem nesta semana de fluxo liberado quase inestancável.

15 outubro 2009

vai saber?

depois do e-mail que recebi nesta madrugada, essa música começou a fazer muito sentido..

Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de mudar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor (...)

("Vai Saber?" - Composição: Adriana Calcanhotto/Interpretação: Marisa Monte)

14 outubro 2009

detetives do rio

ficou finalmente prontinho o vídeo da monografia da minha irmã :]
detetives do rio foi uma ilustração do projeto de pesquisa em educação ambiental que ela realizou no ano passado com crianças brasileiras e bolivianas integrantes do moinho cultural sul-americano (que oferece aulas de artes gratuitamente)
o resto ele fala por si.
as músicas são do grupo "palavra cantada", do álbum "pé com pé" >> o qual ainda sou apaixonada! (o conheci em 2007)
abaixo, vai ele inteirinho.

07 outubro 2009

devastava e fortalecia


"Esse vento chamado Pina Bausch mudou a paisagem do mundo com uma dança que demonstrava que as histórias individuais são sempre compartilhadas. (...)
A brutalidade do estancamento de sua sabedoria nos deixa órfãos de uma leitura de mundo que nos devastava e, ao mesmo tempo, nos fortalecia. Precisamos agora aprender a viver com essa tristeza para, mais adiante, descobrir o que poderá dela brotar."

A frase de Helena Katz - retirada de crítica sobre a temporada da Thanztheater Wuppertal no Brasil (parte usada no título do post) - me chamou pra escrever sobre minha vivência de duas semanas atrás.

Eram dois táxis apertados de sul-mato-grossenses à caminho do Teatro Alfa (SP) por um mesmo motivo: Pina Bausch.
Pela primeira vez ia ver de perto o que era pra mim quase um mito, inalcançável, que só via em vídeos do youtube e ouvia pessoas retratarem a experiência do encontro (alguns eram autoridades no assunto dança) sempre com ótimas referências. Uma unanimidade.
Essa foi a palavra que definia o fato de o Teatro ficar lotado de pessoas que a admiravam durante os cinco dias de apresentação, com ingressos esgotados com alguns meses de antecipação (cerca de 10.000 pessoas). E unanimidade é algo dificil de alcançar quando se trata de dança contemporânea.
Quando "Café Muller" começou - acredito que a obra mais divulgada da Cia - não conseguia relaxar e fruir o momento, a minha relação com a obra que acontecia. Ficava atenta ao que ela representava pra mim, minhas referências anteriores, ao que li das críticas ao seu trabalho..até que por um momento eu esqueci! (e esquecer aqui, significa experienciar)
A personagem de sapatos vermelhos entrou no palco, em ritmo acelerado e leve e aquilo me despertou pro momento presente.
No intervalo me pousei intacta sobre a cadeira digerindo o que havia presenciado. A segunda apresentação teve sabores ainda da primeira e a confusão de aromas me deixou um pouco indigesta. Foram momentos em que pude sentir o quanto o espectador não é passivo >> criava sentidos a todo momento e eram movimentos vigorosos de buscar um entedimento em conexões com minhas experiências anteriores.
Ainda estou digerindo e dançando (nos ensaios) tudo o que vivi naquelas 3h.
Foi a primeira vez que a Cia fazia uma temporada sem sua diretora.
Pina Bausch não estava presente em vida, mas em obra.

Pra conferir a crítica na íntegra clique aqui.