São João Batista protegido por divindades diversas em um terreiro de umbanda.
Esse "andor" (como é chamada a base móvel onde o santuário é elaborado) foi da tia do Pedro Paulo, aquele ali em cima, ao lado das imagens que o protegem desde o seus 2 meses de idade. Radialista, nascido em Corumbá em 1965 (como diria minha amiga Patrícia: o mesmo ano em que se iniciou a guerra do Vietnã e considerado ano da cooperação mundial pelo ONU), Pedro Paulo teve a sorte de ter uma mãe sensível às sincronicidades do destino.
Neste mesmo ano, com o filho de apenas dois meses no colo, Dona Carlinda acompanhada de seu marido saíram desacreditados do hospital, com a previsão de que nada poderia ser feito para salvar seu filho da morte.
Sua tia o lavava para colocá-lo no caixão. Já não se mexia, não apresentava sinais vitais. Nesse momento sua mãe ouviu a procissão que passava na esquina ao lado da casa, descendo as ruas cantarolando as ladainhas de São João, para lavá-lo nas águas do rio Paraguai.
Correu até o santo, parou a procissão por alguns instantes e pedia chorando, com toda a sua energia, que seu filho retornasse à vida, que ainda não era o seu momento de "desencarnar". Dona Carlinda sensibilizou a todos os fiéis. Uma mulher de fibra, cuidava dos filhos, arrumava e administrava o lar, coordenava o centro de Umbanda em frente à sua casa para reunir pessoas no exercício da fé ao encontrar-se com aspectos do desconhecido, descendia da etnia Guató e encarnava um índio da Amazônia (logo atrás de são João, com uma estrela estendida nas mãos), considerado da linhagem dos Oxossi.
Aos prantos, no momento em que a procissão se apropriava das preces de Dona Carlinda, também chegou sua irmã, a tia de Pedro Paulo, trazendo-lhes a notícia de que o filho voltara a viver. Chorava também!
O milagre foi agradecido com a promessa de sete anos de festa para louvar e lavar o santo milagroso próximo às ladeiras do Porto Geral. E os sete anos já se completam 44, desde que o milagre aconteceu.
A família, que passava em frente à casa dos Macedo, vinha de Cuiabá e já não mora mais na vizinhança. Descendem de portugueses, como tantos outros que se instalaram nas regiões platinas e se miscigenaram com a população local.
Desde que Pedro Paulo voltou a viver, e que se entende por gente, participa e, agora, organiza a festa que já se tornou tradição na vizinhança.
Cada um se encarrega de algum ofício para a festa acontecer: montagem das barracas, bebidas, comidas, doces, danças (quadrilhas), enfim. Uma festa que é feita em conjunto, cada um levando uma parte, e que sempre dá certo.
Pelo menos uma vez no ano é certo que todos farão a sua parte para fazer valer a tradição.
Assim como São João Batista banhava os fiéis, e Jesus Cristo, nas águas do rio Jordão para batizá-los, assim os corumbaenses o fazem para reciclar suas fés.
Claro, regados a muita bebida!
Uma festa santa que inclui o mundo terreno, sem pudores, sem ter de esconder o lado humano para falar de uma santidade que só o humano teria a capacidade de criar.
Há dez anos Dona Carlinda se juntou aos seus ascendentes Guató e ainda a festa continua quente lá no bairro Monte Castelo “ali depois da subidinha”, me explicam os vizinhos. Pedro Paulo e sua família já se apropriaram da responsabilidade de fazê-la acontecer, com as preces no centro de umbanda que precedem a descida do santo até o Porto Geral.
Além da festa, a memória deste acontecimento extraordinário é cada ano ressignificada por todos que ali participam de alguma forma, mas o nome do arraial não muda: arraial da dona Carlinda, assim como tantos que Corumbá concentra como da dona Ivone, dona Titina, dona Cassilda, ...
Mulheres assim continuam a germinar sabedoria através do séculos e das gerações.