20 março 2011

velocidade

Hoje tive uma surpresa ao abrir minha caixa de e-mails. Um gajo simpático que já o chamo de amigo, o Cleyton Boson, escreveu o poema aí de baixo, disse que lembrando da minha alegria que aqui em sampa é passageira, mas sempre retorna.
Lendo, consigo ouvir o sotaque goiano. O enfrentamento das bases instáveis da metrópole e de qualquer que seja o lugar de um migrante, viraram aventura fofa pela cadência e trágica pelo destino que tomam os acontecimentos.


Na cidade de São Paulo
a velocidade desenha as pessoas:
seu rosto lembra outro rosto que não sei lembrar.
Cupido é atropelado nos sinais de trânsito
ou despenca dos arranha-céus se esfacelando na multidão.
Despejado por não ter avalista,
o Amor mora de favores nas transmissões via satélite.
Na galeria paulistana,
A velocidade inventa a felicidade
em desvarios de concreto, vidro e credit cards.
Ela passeia na Paulista envergando um Giorgio Armani
e faz programa de televisão entrevistando celebridades que vão morrer no anonimato.
Na grande São Paulo,
O torvelinho metropolitano
elabora um novo tédio,
que estrangula a novidade segundos depois dela ter nascido.

(Velocidade, Cleyton Boson)

09 março 2011

no meio de dois, só um

São Paulo, o lugar das intermediações, das gradações que extrapolam dicotomias (entre santa e puta há milhões de possibilidades), também guarda, bem guardadinho, uma dualidade com pouco esticamento, que só dá pra escolher ou um ou outro: ou se está em companhia de um monte de gente, tricotando a rede interminável de novas e novas relações entre as pessoas que já se conhece e que está por conhecer e os compromissos que a manutenção de cada laço depreende, ou se está só, num apartamento que guarda a potência de ser preenchido por pelo menos mais quatro pessoas e que no momento tem uma só, em silêncio apreensivo, denso, ouvindo a janela tremer apalpada pela brisa.

03 março 2011

especialistas

Semana passada, já incomodada com a sensação de que aqui em São Paulo a tolerância de ouvir é incrivelmente mais baixa que a necessidade de expressar, entrei no elevador e tive o seguinte diálogo com uma senhora que entrou depois de mim reclamando:
- Que calor!
- É, e aqui a gente nem percebe, mas anda pra caramba.
- Nossa, muito calor.
Cidade de especialistas em produzir, a gente (em muitas situações já me sinto contaminada) não ouve o que não quer ouvir. A moldura parece mordaça só que nos próprios ouvidos e nas bocas do outro, alguém.
É cansativo se relacionar com tanta gente o tempo todo. O corpo acaba tendo que selecionar mais pra sobreviver. Tem tanta coisa ruim misturada às coisas boas, e os processamentos são demorados, demora por vezes dias pra digerir que o policial na rua quase mirou seu rosto ao desarmar o bandido da moto ao lado da calçada. Estou começando a entender os fones de ouvido, o gesto blazé, o distanciamento como se fôssemos ilhas. Continuo preferindo pensar nas ilhas pelo ponto de vista do mar.