02 maio 2011

fragmental

O fragmento dura até o alcance de um objetivo, mas a vida dura mais e engloba mais do que algumas metas e está além de qualquer controle. Narrativa acaba, mas vida insiste em seguir. Alcançada uma meta, parte-se para outra, mediada ou não por intervalos de preparação, descanso, vazio, obsessão. Como se a vida só fizesse sentido em experimentação porque o sentido que a antecipa já não encanta nem sacia mais. Posso fazer o que eu quiser, mas tem algumas combinações que podem não dar certo e, por mais que não seja linear nem causal, alguns fatos de agora podem desandar toda a narrativa depois. Porque tem coisas que a gente não esquece. O artesanato constante fica no fazer molduras. Mas a moldura nem sempre alcança tudo o que a gente quer, ou alcança mais do que a gente gostaria, e o um fica parecendo dois, porque a gente também está além de qualquer controle de si sobre si mesmo como o outro sobre si e o si a partir do outro. Ao mesmo tempo em que é fluxo é subjugação em jogos de espelho e repulsão. E há influências. Porque as porteiras não fecham nunca.

Escrevi incentivada, dentre outras vivências, pela leitura desse fragmento:



“Porém a nós, a nós sem dúvida – resta falar dos fragmentos do homem fragmentado, que perdendo suas crenças perdeu sua unidade interior. É dever dos poetas de hoje falar de tudo que sobrou das ruínas (...) E, se alguma alteração tem sofrido a minha poesia é a de tornar-se, em cada livro, mais fragmentária. Mais obtida por escombros. Sendo assim, cada vez mais o aproveitamento dos materiais e passarinhos de uma demolição.” (Manoel de Barros, Gramática expositiva do chão – poesia quase toda, 1990 apud O meio é a mestiçagem, 2009)

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