08 novembro 2013

como é fácil se equivocar e chamar de sagacidade suspeitas sobre o sentido que o outro dá às coisas... ações são sempre pontinhas de iceberg de subjetividades que cada um traz à visibilidade do jeito que lhe é possível ou oportuno... suspeitas são suspeitas e sagacidade é conseguir perguntar ao outro se fazem sentido as elocubrações. o resto é delírio, que pode ou não servir ao deleite.

14 julho 2013

impermanências

“Quando um fio da vida é atravessado pelo
fio de metal e nele se perde,
a temperatura mingua
E mingua também a sede e a dor
O movimento é só tremor
A emoção não se representa
Nada pode ser sentido
O tempo então perde a sua duração
Não corre
Não flui
Não passa mais
Viscoso e profundo como um beijo
na boca de quem já morreu”

Christine Greiner

11 maio 2013

se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida

(...)

Perdi alguma coisa que me era essencial, e que já não me é mais. Não me é necessária, assim como se eu tivesse perdido uma terceira perna que até então me impossibilitava de andar mas que fazia de mim um tripé estável. Essa terceira perna eu perdi. E voltei a ser uma pessoa que nunca fui. Voltei a ter o que nunca tive: apenas as duas pernas. Sei que somente com duas pernas é que posso caminhar. Mas a ausência inútil da terceira me faz falta e me assusta, era ela que fazia de mim uma coisa encontrável por mim mesma, e sem sequer precisar me procurar.

Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia – a covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la –, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma ideia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A ideia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? Estarei mais livre?

Não. Sei que ainda não estou sentindo livremente, que de novo penso porque tenho por objetivo achar – e que por segurança chamarei de achar o momento em que encontrar um meio de saída. Por que não tenho coragem de apenas achar um meio de entrada? Oh, sei que entrei, sim. Mas assustei-me porque não sei para onde dá essa entrada. E nunca antes eu me havia deixado levar, a menos que soubesse para o quê.

Ontem no entanto perdi durante horas e horas a minha montagem humana. Se tiver coragem, eu me deixarei continuar perdida. Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo – quero sempre ter garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que meu maior medo seja exatamente em relação: a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é o que eu pensava e sim outra – como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?

E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade.



(...)

A paixão segundo G.H.
Clarice Lispector 
p.12 

espontânea

A catraca tá travando?