09 abril 2014


"Muito cedo na minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais. Entre dezoito e vinte e cinco meu rosto tomou uma direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com todos, nunca perguntei. Creio que alguém já me falou dessa investida do tempo que nos acomete às vezes na primeira juventude, nos anos mais festejados da vida. Esse envelhecimento foi brutal. Eu o vi apossar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, aumentando o tamanho dos olhos, fazendo mais triste o olhar, mais definida a boca, marcando a testa com rugas profundas. Não tive medo e observei o envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria dedicado a uma leitura. Sabia também que não estava enganada, que um dia ele ficaria mais lento, tomando seu curso normal. As pessoas que me haviam conhecido à época de minha viagem à França, quando eu tinha dezessete anos, ficaram impressionadas quando me reviram dois anos mais tarde. Foi o meu rosto. Envelheceu também, é claro, mas relativamente menos do que devia. Tenho um rosto lacerado por rugas secas e profundas, sulcos na pele. Não é um rosto desfeito, como acontece com pessoas de traços delicados, o contorno é o mesmo mas a matéria foi destruída. Tenho um rosto destruído."

(O amante - Marguerite Duras)

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