Ultimamente venho me identificando com algumas frases que me soavam bastante externas como “gosto não se discute”, “há males que vem para o bem” ou “não coloque o carro na frente dos bois”. Ouvia as pessoas dizerem, mas eu mesma nunca os repetia, a não ser quando queria fazer referência satírica às frases que, aparentemente, são repetidas ao longo de gerações como que por osmose. Eu, artista da contemporaneidade, mantinha o meu “papel” de preservar a diferença e negar a tradição. Certo é que incorporei cargas históricas da sociedade que integro, ou ela que me engoliu, porque essas sabedorias vêm me fazendo um “baita” sentido, à medida que vou me deparando com algumas dificuldades e descobertas da vida adulta.
Será que aprendê-las e incorporá-las é um dos pré-requisitos da entrada real à vida adulta e determina o reconhecimento dos outros sobre nós enquanto gente? Quantas pessoas ao se tornarem pais ou mães repetem canções de ninar que seus avós e bisavós também cantavam para novos integrantes da família, ou já “deram uma banana” com aquele gesto que acompanha a ação para alguém que o incomodou, ou se deu o privilégio de rir “à toa”?
Todos esses exemplos são manifestações do folclore que não faz parte de um tempo pretérito, que não está extinto ou localizado nas florestas como o saci-pererê ou como o mãozão das matas da Nhecolândia. Eles são vivenciadas todos os dias, em diversas esferas da vida cotidiana e são atuais, como explica Barreto, em citação de Marlei:
“...O povo não foi, o povo é (...) Toda vez que se dá maior importância ao passado, nos moldes da cultura folclórica, se aliena o próprio povo da realidade. E não há maior mal de afastar a comunidade de sua própria experiência, de seus contatos, de sua participação.” (BARRETO in SIGRIST, 2000, p. 29)
As frases feitas, ditados populares, locuções tradicionais são exemplos de como o folclore é vivo tanto no meio rural como na cidade e é ressignificado por meios de comunicação de massa, por livros didáticos, além de ser repassado pelo tradicional boca-a-boca.
Assim como frases, os gestos, a corporeidade e a maneira como nos movimentamos cotidianamente (ou também em festas) o nosso corpo está relacionada às referências familiares ou às pessoas de estreita e constante convivência, como amigos, familiares, namorado, colegas de trabalho, etc. No que tange ao universo corporal, parece-me mais difícil barrar incorporações, até mesmo porque não aprendemos a racionalizar este tipo de aprendizado, por mais que soframos interferências de educações do tipo “etiqueta” para regras de usos do corpo em espaços públicos ou para padronizar comportamentos em determinados locais e tempos. E meu, como é difícil admitir e perceber que me gesticulo como a minha mãe, minha entonação para perguntas e o tom da voz são idênticos aos da minha irmã, ando e me porto durante as refeições do jeitinho que meu pai também convencionou se comportar.
Nesse contexto é difícil delinear contornos de origens espaço-temporais deste conhecimento e dos processos de educação e comunicação, mas estes fatores indicam que a cultura popular (transmitida sem o artifício de tecnologias de informação e sem sistematização racional) está presente na formação de indivíduos e na maneira de se relacionarem com fenômenos de seu ambiente.
Fontes de idéias:
BARBERO, Jesús Martin. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2005.
CASCUDO, Luís da Câmara. Locuções tradicionais no Brasil. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1986.
SIGRIST, Marlei. Chão batido – a cultura popular de Mato Grosso do Sul, folclore e tradição. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2000.
Site Reporter Net. Dez ditados populares e seus significados. Acessado em 4 de maio de 2009. http://www.reporternet.jor.br/10-ditados-populares-e-seus-significados/