23 setembro 2011

18 agosto 2011

cinza.
cinzaahhhh...coff.

18 junho 2011

arquipélagos e corações partidos

O problema da especialização é porque a resolução dos problemas nunca vai se dar a partir apenas de um viés. Não adianta uma pessoa especialista em segurança pública propor resoluções pra violência que envolve o ambiente e as pessoas usuárias de craque na região central de São Paulo só pelo viés da segurança pública, ou do direito, ou da polícia, porque é um problema que envolve muitas relações sociais e afetivas, o que cada um daqueles envolvidos pensa sobre si e sobre a vida, as frustrações, as estratégias precárias de sobrevivência, de percepção de si e de percepção de si em um contexto social mais amplo. Uma pessoa que cheira craque todos os dias não é só "drogada", essa é uma das ações dela no dia-a-dia. Ela também exerce papeis na família, escola, amigos, instituições religiosas. O que ela acredita que ela é? Em que ela acredita? O que ela quer? Como ela lida com as constrições que todo mundo recebe todo dia? Quem acredita em liberdade como sendo o presentinho que todo mundo ganha de fazer o que quer, como quer, sempre, acaba se revoltando ainda mais, porque é impossível ser inteiramente livre.
Pra realmente haver uma tentativa de desanuviar a montanha de violências que envolve a população de centenas de pessoas que diariamente contribuem para que a Cracolândia continue a existir precisaria de uma ação que envolvesse não só policiais em contato direto com os traficantes e usuários, mas os familiares (deve ter gente que nem tem família ou que fugiu da família por ser ela emanadora de violência ou por medo de retornar depois de algum grande erro que tenha cometido ou por medo admitir fracasso no american dream que a cidade de São Paulo representa pra muita gente no Brasil e na América Latina).
Fato é que muita gente que não tem a ver diretamente com o consumo de drogas, mas que vive ali nessa região, tem sofrido com essa população que invade esse lugar todas as noites.
Deve ser uma cena bem triste.
Pode ser que esteja romantizando (deixando mais pesado do que realmente é).
Mas ver todos os dias gente morando na rua, crianças estateladas no chão embaixo do sol ou nesse vento frio durante o dia, parecendo mortas em vida, é muito foda. Uma situação tão antiga e que, uma opção de amenizar isso, os albergues, são desativados pelo prefeito da cidade, não dá pra entender onde que se quer chegar e se dá pra acreditar em alguma coisa nessa vida ou se tudo são burocracias e instituições públicas recheadas de pessoas que, por colocar prioridade na preservação de suas vidas e confortos, deixam sempre pra segundo plano posicionamentos que podem causar conflitos mas que podem levar para alguma ação que realmente mude alguma coisa.
E isso me faz lembrar que a modernidade, além de todas as coisas boas e ruins e mais ou menos ou indiferentes, trouxe a necessidade da gente se auto-preservar (em outros termos, fez emergir uma política diretamente ligada ao corpo: a biopolítica). Se a gente precisa se auto-preservar, segurança é a menina dos olhos. Em nome da segurança a gente faz e deixa de fazer muita coisa e de repente nos vemos uns bundões sem conseguir sair de uma redoma que a gente cria cotidiana e diariamente. É muito difícil se auto-preservar sem deixar bem clara uma fronteira entre si e essas pessoas que todos os dias se drogam no centro da cidade (eu-eles) - distinções territoriais. Difícil também se auto-preservar provocando conflitos que podem levar a elucidações.
Ao mesmo tempo, como não ficar indignada com alguém que quer se auto-destruir? E mais indignada com quem, para se auto-destruir, coloca em risco a vida de outras pessoas?
Pode ser que seja uma questão de vida, ou de uma questão de morte em vida. Se eu for levar em consideração a frase que um amigo me mandou hoje por e-mail, de que “morte não chega com o fim da vida, mas sim com o fim da vontade de viver”, pode ser que os usuários de craque sejam mesmo mortos-vivos para esse tipo de vida que a gente quer acreditar que é melhor pra se viver.
E não conseguir acreditar que esse tipo de exclusão e esse tipo de cegueira em relação a pequenas ações que poderiam amenizar ou transformar isso tudo me deixa muitas vezes sem vontade de viver.
Mas ser agente e receptora de violência todos os dias me deixa numa situação menos utópica, que me dá pernas pra seguir em alguma direção que não a contemplativa.
Acho que eu alterno morte e vida assim como um pêndulo. Às vezes morta-viva, às vezes viva-viva, porque acredito e desacredito nas coisas como se fossem uma massa una, e é aí que me vejo por uma perspectiva unificante, e é disso que eu falo no começo. Sou por muitas perspectivas e o pêndulo é um erro recorrente. Ou tudo ou nada. E considerar o mais ou menos é continuar a perceber as coisas como se fossem lineares, porque fica no meio do caminho, entre dois pólos. São muitos pólos, uma constelação.
Boto fé na pluralidade sem querer contaminar esse discurso que está influenciado pelas ciências humanas, pela dança, pelas artes, pela minha vivência cotidiana de mulher de classe média, heterossexual, migrante do Mato Grosso do Sul para a cidade de São Paulo, por um sentimento religioso. É guiado por uma paixão, mas que aceita restrições de fluxo contínuo, porque sou fragmento mesmo, a gente é um monte de ilha junto. Perceber as ilhas pela perspectiva do mar (e ser arquipélago só é possível por um mesmo mar que envolve todas as ilhas e que está sempre em movimento) pra mim é perceber uma faísca pra continuar a acreditar na vida e continuar a viver com vida.
Meu partido é do coração partido. Partido em milhares. Cada parte uma parte e também coração.

(partido do coração partido da música, foi uma lembrança ativada pelo post no blog da Camila, que eu nunca deixo de acompanhar)

05 junho 2011

pra virar pássaro

Pra virar pássaro
Só precisa tocar a pele de leve ou deixar alguém fazer por você.
Bolinhas vão se disseminar pela superfície lisa.
As penas estão prontas pra nascer.
O próximo passo voou. Na imaginação.
E transformou o pássaro em moça feliz.
Anjo asa a gente.

30 maio 2011

saudade

Kenji. Paranapiacaba, 2011.

Nesse fim de semana de novo senti a saudade me persuadir. Fiquei nesse vão que me faz lembrar que eu sou, além das pessoas que eu amo, indivisível (indivídua), apesar da minha aptidão pra esparramar. Integrando pelo menos não corro o risco de me dissolver até virar infinito.
A saudade me fez viver lembranças e lembrar do abandono e assim, quatro elementos fizeram sentido juntos. Dois por acaso, dois por insistência.
Saudade, memória, lembrança e abandono e quatro interpretações.

II.
Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo - elas podem um dia milagrar de flores.
(Os objetos sem função têm muito apego pelo abandono.)
Também as latrinas desprezadas que servem para ter grilos dentro - elas podem um dia milagrar violetas.
(Eu sou beato em violetas.)
Todas as coisas apropriadas ao abandono me religam a Deus.
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!
(O abandono me protege.)

(Manoel de Barros, livro sobre nada, 2004, 11a. ed.)




“instabilidade e criação coletiva no espetáculo me=morar”
Neste artigo contextualizo a criação coletiva do espetáculo me=morar: o corpo em casa, elaborado pelo Coletivo Corpomancia em uma casa da vila dos ferroviários de Campo Grande (MS), em 2009 e 2010 e transposto para a videodança em 2011, e a relaciono com o paradigma da imunização, categoria criada por Roberto Esposito com o intuito de preencher lacunas deixadas por Foucault nos estudos sobre biopolítica, para tecer uma reflexão sobre tensões políticas contidas nesse movimento, do qual fiz parte. Me=morar... foi buscar num lugar que cheira tradição na cidade de Campo Grande húmus pra criar uma dança articulada à realidade dos intérpretes e criadores, com o objetivo mesmo de experimentar uma dança que não cede à tendência de se deixar coreografar por tradições hegemônicas da dança contemporânea do Brasil, apesar de dialogar com elas, ou de se relacionar verticalmente com uma técnica por adequação. A estratégia foi a de criar coletivamente a partir da interpretação dos cinco sentidos em contato com o ambiente da vila dos ferroviários. A motivação não tinha rosto nem chão, mas tinha limites: dos próprios corpos, da proposta, do coletivo, do que a casa nos oferecia, do valor do financiamento e do tempo. A temática caiu como luva a esse desejo de "apropriação" porque relacionou a memória do corpo com ícones do passado da cidade, para gerar uma continuidade a partir de um comum em ruínas e abandono. Em vez do centro estar no meio do palco, ou no centro econômico do país, esteve no corpo dos dançarinos e em uma rua estreita de paralelepípedos escondida entre as ruas largas, retas e planejadas de asfalto de Campo Grande. Alimentou-se de um passado não para transformá-lo em típico, mas para mostrar que está vivo, em movimento, em transformação permanente, porque abandono é a memória que ainda não soube alinhavar as fragmentações e contradições que nos constitui.

02 maio 2011

fragmental

O fragmento dura até o alcance de um objetivo, mas a vida dura mais e engloba mais do que algumas metas e está além de qualquer controle. Narrativa acaba, mas vida insiste em seguir. Alcançada uma meta, parte-se para outra, mediada ou não por intervalos de preparação, descanso, vazio, obsessão. Como se a vida só fizesse sentido em experimentação porque o sentido que a antecipa já não encanta nem sacia mais. Posso fazer o que eu quiser, mas tem algumas combinações que podem não dar certo e, por mais que não seja linear nem causal, alguns fatos de agora podem desandar toda a narrativa depois. Porque tem coisas que a gente não esquece. O artesanato constante fica no fazer molduras. Mas a moldura nem sempre alcança tudo o que a gente quer, ou alcança mais do que a gente gostaria, e o um fica parecendo dois, porque a gente também está além de qualquer controle de si sobre si mesmo como o outro sobre si e o si a partir do outro. Ao mesmo tempo em que é fluxo é subjugação em jogos de espelho e repulsão. E há influências. Porque as porteiras não fecham nunca.

Escrevi incentivada, dentre outras vivências, pela leitura desse fragmento:



“Porém a nós, a nós sem dúvida – resta falar dos fragmentos do homem fragmentado, que perdendo suas crenças perdeu sua unidade interior. É dever dos poetas de hoje falar de tudo que sobrou das ruínas (...) E, se alguma alteração tem sofrido a minha poesia é a de tornar-se, em cada livro, mais fragmentária. Mais obtida por escombros. Sendo assim, cada vez mais o aproveitamento dos materiais e passarinhos de uma demolição.” (Manoel de Barros, Gramática expositiva do chão – poesia quase toda, 1990 apud O meio é a mestiçagem, 2009)

07 abril 2011

solidão, porque a arte pede isso da gente

Leve essa sensação pro seu dia. Minha impressão era justamente a de que aqueles movimentos haviam brotado porque são latentes na maior parte da minha vida. Depois fez muito sentido derrubar a fronteira. "Solidão, porque a arte pede isso da gente, em um túnel longo, choveu em cima e algumas gotas conseguiram se infiltrar e chegar ao chão, algumas tocaram você." De olhos fehados minha solidão espiralou e se integrou ao entorno. Que é diferente de esparramar e tem a ver com respeito. Obrigada, Sandro.

20 março 2011

velocidade

Hoje tive uma surpresa ao abrir minha caixa de e-mails. Um gajo simpático que já o chamo de amigo, o Cleyton Boson, escreveu o poema aí de baixo, disse que lembrando da minha alegria que aqui em sampa é passageira, mas sempre retorna.
Lendo, consigo ouvir o sotaque goiano. O enfrentamento das bases instáveis da metrópole e de qualquer que seja o lugar de um migrante, viraram aventura fofa pela cadência e trágica pelo destino que tomam os acontecimentos.


Na cidade de São Paulo
a velocidade desenha as pessoas:
seu rosto lembra outro rosto que não sei lembrar.
Cupido é atropelado nos sinais de trânsito
ou despenca dos arranha-céus se esfacelando na multidão.
Despejado por não ter avalista,
o Amor mora de favores nas transmissões via satélite.
Na galeria paulistana,
A velocidade inventa a felicidade
em desvarios de concreto, vidro e credit cards.
Ela passeia na Paulista envergando um Giorgio Armani
e faz programa de televisão entrevistando celebridades que vão morrer no anonimato.
Na grande São Paulo,
O torvelinho metropolitano
elabora um novo tédio,
que estrangula a novidade segundos depois dela ter nascido.

(Velocidade, Cleyton Boson)