07 setembro 2016

Comecei a aula com medo da escuridão do meu olho esquerdo, de onde brotavam dimensões ortogonais, irreconhecíveis. Terminei a aula com os dois olhos iluminados, com um campo de visão ampliado. 

Foi prazeroso e importante sentir que era um canal que dava passagem ao movimento. Era o momento em que não era eu dançando, mas algo que se relacionava com o movimento e com o ambiente. A expressividade criava uma espiral com possíveis espectadores: seriam eles os que iriam conferir sentido, ordenar signos, elaborar possíveis narrativas, se relacionar com o que pudesse emergir de sensações, sentimentos, paixões ao me ver dançar. Não eu. Eu me movo, com a abertura necessária e honesta para estar em relação com o ambiente. Não para seduzir. Para estar.


Se se tratasse de mim, das minhas neuroses, cairia em dores das minhas relações amorosas frustradas. O movimento que acontecia em mim, enquanto me sentia um canal que dava passagem a ele, tinha outro sabor. Um sabor de presença. 

09 maio 2016

o absurdo
transformar-me no outro
comer e me lambuzar do outro irresistível

a circunferência do fundo dos olhos
olhar desde essa convexidade é conseguir aceitar a tristeza, aceitar o tempo das coisas

não amargar - a implicância, o ressentimento, a água parada no poço que ecoa o som daquilo que entra e não sai

09 setembro 2015

Depois de cinco goles de cerveja preta, que achou que tinha combinado bem com a noite enevoada, pouco fria. Depois da desistência do samba e de uma viagem entediada de ônibus, percebeu que era só isso mesmo: quando não tinha problema os inventava. Por isso o punho vermelho, sangue retesado, marcas do não do pai. Por isso a tentativa de socá-lo feito briga de galo. Era porque o feriado tinha sido muito bom junto deles. Os dois, a mãe também, beliscos na bochecha. Mas, alto lá, que em segundos eles poderiam definir todos os sentidos daquele fim de tarde no prédio panorâmico cinco estrelas da prima rica, onde sobrava tudo menos senso. De medo, soprou maldito espanto. Exclamações em vez de vírgulas. Sangue, em vez de saliva.

14 julho 2015

precisava sair pra ouvir chover palavra e assoar granizo.
respiro.
resfrio. 

27 julho 2014

"A realidade é depressora", disse o vizinho, no elevador.

22 julho 2014

divórcio


"Quanto ao destino da potência de resistência, sua dissociação das sensações a impede de reconhecer aquilo que a convoca: a crueldade inerente à vida que destrói formas de existência a cada vez que isso se faz necessário. Assim, não tendo como situar a causa do mal-estar, a subjetividade é tomada pelo medo e o desamparo e, para aliviar-se, projeta no outro a crueldade da vida e a confunde com maldade. A força de resistência é então capturada pela forma dialética, e passa a exercer-se como luta entre opostos: cada um reivindica para si o poder do bem e fixa o outro no lugar do mal, contra o qual deverá ser investida a força de resistência. Neste tipo de exercício da política, que se transforma em luta entre o bem e o mal, seja qual for o lado vencedor, o resultado é um só: quem vence é a força do conservadorismo, fruto do temor à crueldade; quem perde é a vida cujo fluxo fica travado, quando ela não é concreta e irreversivelmente interrompida pelo extermínio, em nome de uma configuração de mundo tomada como a verdade, configuração que, por supô- la verdadeira, se quer conservar. É o mundo do consenso – mundo fusional sem alteridade, sem resistência, sem criação: em suma, sem vida – cuja forma paroxística é o totalitarismo, seja ele de Estado ou de Mercado."


(resistência e criação: um triste divórcio. Suely Rolnik, p. 2 >>>>>http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Divorcio.pdf)

09 junho 2014

"Só sabe exprimir seus sentimentos por meio de paródia. Descubro que não tem força para me amar contra a vontade do pai, para ficar comigo, se juntar a mim. Chora com frequência porque não tem força para amar além do medo." 
(O amante, Marguerite Duras. p. 42)

05 maio 2014

"(...) A dança recolhe os fragmentos caóticos do cosmo e do corpo e dá-lhes um sentido originário imanente à própria dança, que, produzindo este sentido, o fará ser rememoriado pelo mito, se concordarmos com Fernand Robert em La Réligion Grecque, que afirma os mitos serem enredos gerados após as ritualizações, às quais se adequam, para fornecer uma narrativa àquilo que já se praticava." 

(Breve história do corpo e de seus monstros - Ieda Tucherman, p. 29)