07 abril 2011

solidão, porque a arte pede isso da gente

Leve essa sensação pro seu dia. Minha impressão era justamente a de que aqueles movimentos haviam brotado porque são latentes na maior parte da minha vida. Depois fez muito sentido derrubar a fronteira. "Solidão, porque a arte pede isso da gente, em um túnel longo, choveu em cima e algumas gotas conseguiram se infiltrar e chegar ao chão, algumas tocaram você." De olhos fehados minha solidão espiralou e se integrou ao entorno. Que é diferente de esparramar e tem a ver com respeito. Obrigada, Sandro.

20 março 2011

velocidade

Hoje tive uma surpresa ao abrir minha caixa de e-mails. Um gajo simpático que já o chamo de amigo, o Cleyton Boson, escreveu o poema aí de baixo, disse que lembrando da minha alegria que aqui em sampa é passageira, mas sempre retorna.
Lendo, consigo ouvir o sotaque goiano. O enfrentamento das bases instáveis da metrópole e de qualquer que seja o lugar de um migrante, viraram aventura fofa pela cadência e trágica pelo destino que tomam os acontecimentos.


Na cidade de São Paulo
a velocidade desenha as pessoas:
seu rosto lembra outro rosto que não sei lembrar.
Cupido é atropelado nos sinais de trânsito
ou despenca dos arranha-céus se esfacelando na multidão.
Despejado por não ter avalista,
o Amor mora de favores nas transmissões via satélite.
Na galeria paulistana,
A velocidade inventa a felicidade
em desvarios de concreto, vidro e credit cards.
Ela passeia na Paulista envergando um Giorgio Armani
e faz programa de televisão entrevistando celebridades que vão morrer no anonimato.
Na grande São Paulo,
O torvelinho metropolitano
elabora um novo tédio,
que estrangula a novidade segundos depois dela ter nascido.

(Velocidade, Cleyton Boson)

09 março 2011

no meio de dois, só um

São Paulo, o lugar das intermediações, das gradações que extrapolam dicotomias (entre santa e puta há milhões de possibilidades), também guarda, bem guardadinho, uma dualidade com pouco esticamento, que só dá pra escolher ou um ou outro: ou se está em companhia de um monte de gente, tricotando a rede interminável de novas e novas relações entre as pessoas que já se conhece e que está por conhecer e os compromissos que a manutenção de cada laço depreende, ou se está só, num apartamento que guarda a potência de ser preenchido por pelo menos mais quatro pessoas e que no momento tem uma só, em silêncio apreensivo, denso, ouvindo a janela tremer apalpada pela brisa.

03 março 2011

especialistas

Semana passada, já incomodada com a sensação de que aqui em São Paulo a tolerância de ouvir é incrivelmente mais baixa que a necessidade de expressar, entrei no elevador e tive o seguinte diálogo com uma senhora que entrou depois de mim reclamando:
- Que calor!
- É, e aqui a gente nem percebe, mas anda pra caramba.
- Nossa, muito calor.
Cidade de especialistas em produzir, a gente (em muitas situações já me sinto contaminada) não ouve o que não quer ouvir. A moldura parece mordaça só que nos próprios ouvidos e nas bocas do outro, alguém.
É cansativo se relacionar com tanta gente o tempo todo. O corpo acaba tendo que selecionar mais pra sobreviver. Tem tanta coisa ruim misturada às coisas boas, e os processamentos são demorados, demora por vezes dias pra digerir que o policial na rua quase mirou seu rosto ao desarmar o bandido da moto ao lado da calçada. Estou começando a entender os fones de ouvido, o gesto blazé, o distanciamento como se fôssemos ilhas. Continuo preferindo pensar nas ilhas pelo ponto de vista do mar.

14 fevereiro 2011

carne barata no mercado

(roteiro de adaptação livre para o cinema do conto "Pai contra mãe", de Machado de Assis)

Storyline: Cândido, com sangue nas mãos, dirigiu-se até o açougue do mercado municipal a fim de encontrar, finalmente, seu filho. Previa em mente a surpresa da família ao vê-lo retornar com, além da filha nos braços, uma dinheirama no bolso. – Onde está o bebê?, perguntou ao vendedor, que lhe respondeu: - Estava na barriga da preta que acabou de abortar.

****

Alvo e corpulento, Cândido nunca fora muito de amigos e pulava de trabalho em trabalho, não conseguia ficar muito tempo em um lugar só. O único emprego que o segurou por mais tempo era esse em que trabalhava atualmente: caça-prostituta. Era assim que ele mesmo denominava sua profissão. Na prática, corria atrás de profissionais do sexo que sumiam das casas onde trabalhavam, sem dar satisfação e geralmente devendo para seus donos, ops, empregadores (como se sabe, além de serem exploradas por seus clientes, são extorquidas por seus chefes, por isso as dívidas contínuas e intermináveis.).

O porte físico volumoso e a pouca experiência no exercício do pensar criticamente faziam de Cândido um excelente caçador de prostitutas. Para sua esposa, Clara das Neves, era um trabalho digno, não pensava em pormenores da violência que deveria envolver e, afinal, alguém tinha de fazer esse tipo de serviço, era importante colocar limites a compulsões da carne como as que essas pobres mulheres deveriam sofrer.

Formavam um jovem casal, com as alegrias e dificuldades dos recém-casados. Cândido já estava sendo pressionado pela tia de Clara, a aposentada Mônica, e pelo dono do apartamento onde moravam, para se engajar em algum outro emprego que pagasse os alugueis atrasados e que pusesse comida na mesa da família, que logo logo iria crescer – Clara estava para dar a luz a uma menina.

Cada vez menos prostitutas fugiam de seus empregos e cada vez mais caçadores de prostitutas surgiam na cidade. A concorrência aumentava e a renda mensal e honra masculina de Cândido diminuíam. Sua filha nasceu, mas a dificuldade em pagar qualquer coisa levou à família optar por deixá-la em um orfanato, um destino melhor que a fome.

No caminho ao orfanato, no início da manhã, Cândido recebe uma ligação: era um empresário dizendo que uma de suas melhores trabalhadoras havia fugido.

- Uma mulata de quase dois metros de altura.

Confiando na força e agilidade de Cândido o empresário lhe prometeu o dobro do que geralmente pagava para incentivá-lo a resolver com urgência aquele problema.

Cândido foi até o mercado municipal, próximo ao centro da cidade, onde desconfiava que ela poderia se abrigar e ficou observando o local durante longas horas. No final da tarde não conseguia nem desconfiar o paradeiro da mulher que o empresário descrevera por telefone. Murmurou para si e para o bebê em seus braços que o destino não queria que ele fosse mesmo um pai e se dirigiu a caminho do orfanato, o destino que havia programado quando saiu de casa pela manhã.

Saindo do mercado, em um corredor de barracas, avistou um vulto escorado em um balcão que logo desapareceu. Era ela! A mulata de dois metros que ele ouvira no telefone.

Deixou rapidamente sua filha em uma barraca próxima, pediu para o vendedor olhá-la enquanto resolvia um problema. Pegou a corda que levava no bolso da calça e disparou a caçar. A mulata percebeu que ela era o alvo daquele rinoceronte descontrolado e correu. Correu, se espreitou, mas sua agilidade estava comprometida pelo bebê que carregava na barriga. Demoradas duas horas, foi laçada pelo caçador e levada ao empresário, não sem se debater e xingar muito.
Enquanto esperava o empresário chegar para apanhá-la, o bebê não resistiu. O sangramento não estancava entre suas pernas, sentiu seu filho sair, não havia choro, ele estava morto. Cândido recebeu a gratificação e voltou contente à barraca onde havia deixado sua filha pensando:

– Graças a Deus que a puta fugiu, que tenho esses braços fortes e essa fúria no peito.

Já quase pulando no pescoço do vendedor ao sentir a ausência do bebê no balcão onde houvera deixado, Cândido perguntou:

- Onde está o bebê?

Foi então que o vendedor lhe respondeu com a raiva entre os dentes:

Estava na barriga da preta que acabou de abortar! Você acabou com a única chance que aquela coitada tinha de realizar o sonho de ser mãe e livre. Olho por olho, dente por dente, camarada. O que fizeste com o filho da outra o fiz com o teu.

Luiza Rosa

(para o curso literatura e cinema: intersecções - Memorial da América Latina)

13 fevereiro 2011

06 dezembro 2010

"A razão caminha mais, mas a emoção vai mais longe."

(Jesús Martin-Barbero em palestra na PUC, em 2003)

01 dezembro 2010

carta

(se fosse escrever uma cartinha pra família ontem, era isso o que teria escrito)

Queria dizer que foi tudo mto bem hj na facul. A apresentação foi tranquila, uma professora deu uns toques legais, mas o mais gostoso de tudo foi a sensação de ter amigos naquele curso. A tchurminha formou uma plateia simpática, sorrindo e desejando que todo mundo se desse muito bem. Não precisei nem de mãe, nem de pai, nem de nada doce pra me acompanhar a insegurança. Desde o abraço de oi, o aconchego de perguntas sobre citações na ABNT, de olhares cansados e à vontade ao chão, alternando o uso da tomada. Não tinha sensação de competição que fosse mais relevante que aquele calorzinho de solidariedade que de repente surgiu entre as pessoas daquela turma que conseguiu amansar um auditório e algumas dúvidas, querendo compartilhar alguma alegria tímida de estar fazendo o que gosta apesar disso significar às vezes, invariavelmente, esperar muito.
Um privilégio!