03 julho 2009

perda doída

Há dias estou ensaiando uma maneira de expressar uma perda doída que ocorreu na semana retrasada..Vamos ver se dessa vez eu consigo..

Lembro que me pediram pra pesquisar o significado do meu nome, sua história, seus porquês...esse som que se confunde com a idéia que faço de mim mesma.
Quando expus os resultados da pesquisa, vieram olhos borbulhando conexões, impressionados com a quantidade de gerações em que meu nome se repetia. Essa repetição poderia ser o foco do meu movimento que deveria se iniciar pela escápula e desenvolver-se em um caminho estreito, reto, “sem quebrar nenhum limite!”.
Depois de algumas horas, dias, tentativas, fui lá eu mostrar o que acreditava que poderia me representar em movimento. Eu podia usar a voz.
“Faça a sequência toda aí, onde você está.”
Pronto. Perdi minha liberdade de deslocamento. Estou de frente para o público, protegida apenas pela minha miopia.
“Fale mais vezes. Muitas mais!”
As repetições agonizavam. Queria fazer mais forte cada vez que repetia. E os olhares para traz, para todas as gerações que me acompanhavam se tornavam claramente presentes diante das minhas costas.
Pude gritar quantas vezes quisesse aqueles nomes que me queriam dizer quem era ou deveria ser.
Engraçado que justo antes daquele encontro eu havia decidido me priorizar.
A descoberta já foi dançada para uma platéia e pretendo que seja fruída por mais gente.
Sempre que a interpretar não vão ser mais apenas meus antepassados a me rodear. Ele também vai estar com aquela energia que me aquecia e me fazia acreditar enquanto indivíduo ativo.
Uma pessoa assim não dá pra esquecer. E não dá pra deixar de se aproximar.
Os discursos, as expressões, a nitidez em não hesitar em dizer sua opinião, de corrigir sem confrontar ou desprezar, de dizer que tudo precisa de um início e um fim sem que você consiga discordar e “tome decisões, feche o universo de movimento, que depois você vai ver que vai jogar muita coisa fora” e isso vale também pros meus textos.. Seus movimentos curtos e súbitos logo se tornavam leves e flutuantes na memória de quem o vivenciou.

Naquele encontro usei a voz, mas vou guardá-la nesses minutos em sua homenagem.
A roupa é elegante, porque esse prof era muito chique..

(homenagem a Roberto Pereira – foi crítico de dança do Jornal do Brasil, coordenador do curso de dança da UniverCidade, ex-professor da pós-graduação em dança na UCDB e pessoa graciosa que coordenou, junto com Esther Weitzman um curso especial de investigações coreográficas em abril deste ano. Se foi em 21 de junho de 2009.)

29 junho 2009

milagre de São João



São João Batista protegido por divindades diversas em um terreiro de umbanda.

Esse "andor" (como é chamada a base móvel onde o santuário é elaborado) foi da tia do Pedro Paulo, aquele ali em cima, ao lado das imagens que o protegem desde o seus 2 meses de idade. Radialista, nascido em Corumbá em 1965 (como diria minha amiga Patrícia: o mesmo ano em que se iniciou a guerra do Vietnã e considerado ano da cooperação mundial pelo ONU), Pedro Paulo teve a sorte de ter uma mãe sensível às sincronicidades do destino.

Neste mesmo ano, com o filho de apenas dois meses no colo, Dona Carlinda acompanhada de seu marido saíram desacreditados do hospital, com a previsão de que nada poderia ser feito para salvar seu filho da morte.

Sua tia o lavava para colocá-lo no caixão. Já não se mexia, não apresentava sinais vitais. Nesse momento sua mãe ouviu a procissão que passava na esquina ao lado da casa, descendo as ruas cantarolando as ladainhas de São João, para lavá-lo nas águas do rio Paraguai.

Correu até o santo, parou a procissão por alguns instantes e pedia chorando, com toda a sua energia, que seu filho retornasse à vida, que ainda não era o seu momento de "desencarnar". Dona Carlinda sensibilizou a todos os fiéis. Uma mulher de fibra, cuidava dos filhos, arrumava e administrava o lar, coordenava o centro de Umbanda em frente à sua casa para reunir pessoas no exercício da fé ao encontrar-se com aspectos do desconhecido, descendia da etnia Guató e encarnava um índio da Amazônia (logo atrás de são João, com uma estrela estendida nas mãos), considerado da linhagem dos Oxossi.

Aos prantos, no momento em que a procissão se apropriava das preces de Dona Carlinda, também chegou sua irmã, a tia de Pedro Paulo, trazendo-lhes a notícia de que o filho voltara a viver. Chorava também!

O milagre foi agradecido com a promessa de sete anos de festa para louvar e lavar o santo milagroso próximo às ladeiras do Porto Geral. E os sete anos já se completam 44, desde que o milagre aconteceu.

A família, que passava em frente à casa dos Macedo, vinha de Cuiabá e já não mora mais na vizinhança. Descendem de portugueses, como tantos outros que se instalaram nas regiões platinas e se miscigenaram com a população local.

Desde que Pedro Paulo voltou a viver, e que se entende por gente, participa e, agora, organiza a festa que já se tornou tradição na vizinhança.

Cada um se encarrega de algum ofício para a festa acontecer: montagem das barracas, bebidas, comidas, doces, danças (quadrilhas), enfim. Uma festa que é feita em conjunto, cada um levando uma parte, e que sempre dá certo.

Pelo menos uma vez no ano é certo que todos farão a sua parte para fazer valer a tradição.
Assim como São João Batista banhava os fiéis, e Jesus Cristo, nas águas do rio Jordão para batizá-los, assim os corumbaenses o fazem para reciclar suas fés.

Claro, regados a muita bebida!

Uma festa santa que inclui o mundo terreno, sem pudores, sem ter de esconder o lado humano para falar de uma santidade que só o humano teria a capacidade de criar.

Há dez anos Dona Carlinda se juntou aos seus ascendentes Guató e ainda a festa continua quente lá no bairro Monte Castelo “ali depois da subidinha”, me explicam os vizinhos. Pedro Paulo e sua família já se apropriaram da responsabilidade de fazê-la acontecer, com as preces no centro de umbanda que precedem a descida do santo até o Porto Geral.

Além da festa, a memória deste acontecimento extraordinário é cada ano ressignificada por todos que ali participam de alguma forma, mas o nome do arraial não muda: arraial da dona Carlinda, assim como tantos que Corumbá concentra como da dona Ivone, dona Titina, dona Cassilda, ...
Mulheres assim continuam a germinar sabedoria através do séculos e das gerações.

28 junho 2009

navegando sem cais

Puta cena linda e só.
A luz se acabou e a banda continuou a tocar.
As pessoas se foram, os instrumentos estavam lá.
A esperança se perdeu, o mundo não parou de girar.
Considerou-se fadada a desaparecer, mas insistentes provaram que vale a pena viver bem perto dela.
"Vai sem paz, sem ter um porto, quase morto sem um cais (...) a solidão deixa o coração neste leva e traz".

Cenário virtual

As paredes da ladeira Cunha e Cruz ficaram enfeitadas virtualmente pela tecnologia antiga da sombra.
Cenário genial pra sentir e pensar a fé, a festa, a vida, o tempo, a dor e o espaço..

13 junho 2009

vou dar um bordejo lá em Porto Alegre



Vou dar um bordejo lá em Porto Alegre
Pra ver a coisa como ela acontece

As imagens são de um show como o de ontem, onde/quando fui curtir música, companhias malucas bem vestidas e bem intencionadas, bebidas destiladas, fermentadas, doces e salgadas..
Bitucas de cigarro eram os únicos obstáculos que meus pés encontravam no chão.
Falava-se e ouvia-se só de bem de perto.

Em uma descrição mais técnica da cena, as palavras estariam dispostas assim:
Os corpos se movimentam estimulando a faringe ao consumirem constantemente ao longo de toda a festa bebidas alcoólicas e fumaças de nicotina e marijuana. A cinética dos corpos se concentra em uma kinesfera individual, sem deslocamentos espaciais. Durante as performances individuais marcadas pelo início e fim de cada música, a cinética do movimento encontra-se especialmente na transferência de peso de uma perna para a outra, nos braços que socam ou pontuam o ar, no tronco, cabeça e ombros que se movimentam para frente e para trás e oscilando entre os lados direito e esquerdo, o flexionar das pernas para marcar o ritmo da música e os braços apontando para o teto quando se ouve uma música que agrada muito. Os quadris são acionados especialmente pelas mulheres. Os homens mantêm a postura ereta, transferem os pesos de uma perna para a outra com a bacia quase estática.

A música é da banda Dimitri Pellz, daqui de Campo (http://www.myspace.com/dimitripellz). Sempre que os assisto me sinto como em um ritual de catarse do qual saio mais leve. Em todo momento de querer gritar e sair correndo deveria existir um show do Dimitri. Acho que seríamos menos tensos, mais felizes..

30 maio 2009

Her morning elegance

Vídeodança israelense com música de Oren Lavie.
Sutil, com densidade que me conforta.


26 maio 2009

Quixotesca

Meus sonhos sempre me despertam pra realidade.
Somos peças criativas suspensas no chão.

20 maio 2009

vício torpe

Eu dava tapas pra ver se ela deixava de voltar, mas ela sempre no dia seguinte me ligava dizendo que queria me ver. E cada vez que vinha recebia estapadas em lugares diferentes, umas homéricas outras mais leves, com dó, até esgotar as chances de despertá-la de seu vício comportamental, cegueira torpe de si. 
Dentre as incomepetências que a contaminavam, a simples incerteza lhe limitava sentir e expressar amor ou qualquer sentimento humano menos importante.
Assumir provocava-lhe consumo de suas propriedades humanas construídas envoltas de bolha suja de sabão cremoso. 
Um dia resolveu não voltar. Sumiu da minha fúria. E meu desejo também se foi.