08 abril 2010

22 março 2010

Out.ono

Não pude deixar de colocar aqui essas coincidências de sentido (na minha percepção coincidem) entre texto, imagem e a nova estação em que estamos entrando.
A foto é do Kenji Arimura, o primeiro texto é do Yan Chaparro, o segundo de Gabriel García Marquez, a conexão é minha.

"As folhas das arvores desenham no ar composições que me levam a pensar o que elas estão querendo dizer. Observo meus poros absorvendo algum sentido que chega pelo vento. Uma conversa inicia, estamos grudados em meio do mesmo mundo, não temos escapatória, somos dois, uno possível que transcende o insuportável. (...) Minha pele esta grudada ao que envolve, posso enxergar meu próprio sangue nas fissuras deste vento que chega". (publicado no blog entrecomum.blogspot.com)

"No dia em que o matariam (...) tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros". (retirado de Crônica de uma morte anunciada)

12 março 2010

Let me sing you a waltz

Foto de Annie Leibovitz
A curiosidade é que foi tirada pouco antes de John ser assassinado, mas este fato chama muito menos a atenção que a sutileza de expressão de seu amor por ela, tão sutil que faz desabar qualquer tipo de proteção ou armadura. Como uma valsa que vai te tocando aos poucos, serena, e te envolve de tal forma que passos em sentidos opostos se transformam em rodopios pelo salão.
Combina com a música que acabei de ouvir e que coloquei aqui embaixo, trilha sonora do filme "Antes do pôr-do-sol", sequência do filme "Antes do amanhecer", ambos dirigidos por Richard Linklater, um lançado em 2004 e o outro em 1995. Tem simplicidade tocante parecida com a da foto.
Sugiro que ouçam experienciando a foto, que proporciona esse tempo lento de desfrutar uma coisa só que proporciona diversas sensações e pensamentos.

03 março 2010

palavra como isca

“Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não-palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se inscreveu. Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a.”
(Clarice Lispector)

04 fevereiro 2010

possibilidades narrativas

"A cultura (...) maneja símbolos capazes de encantar, humanizar e reconstituir possibilidades de vida"

(fragmento do texto-base da conferência nacional de cultura, em eixo sobre cultura e desenvolvimento sustentável em que coloca como íntima a relação que produções simbólicas e deshierarquização de valores mantêm com o pensar a segurança pública)

01 fevereiro 2010

Ela

Nela tudo era curvo. Cabelo, corpo, imaginação. A única linha reta era a lágrima, que caía pesada dos seus olhos, quando se sentava em uma das quinas de sua cama, e lhe pesavam as esquinas que havia no mundo.
Não era o fato de haver esquinas que lhe pesava, mas de quererem dissimular a sua existência.
Estes eram momentos em que não se encaixava. Como se estivesse a seguir a visão diagonal, em que o vão era o principal caminho, e não os objetos que fingiam terminar, ou começar, no decorrer da linha.
O vão é permanente e os objetos desaparecem com a velocidade do olhar, como quando ficamos na frente do ventilador a distrair e as hélices se transformam em massa gosmenta.

(texto que escrevi em 2007. Encontrei agora nas arrumações dos arquivos do computador..)

23 janeiro 2010

experiência

"A única verdadeira tradição é recomeçar tudo a partir dos seus próprios recursos"
(Carolyn Brown)

entre a precaução e a ousadia


Faz bastante tempo que só escrevo em meus cadernos. A caneta e o lápis estavam fluindo mais com meus absurdos criativos desses últimos tempos. Mas só tentativas, possibilidades. O blog parecia oficial demais pra ousar deixar essas ideias flutuando por aí. Agora mais à vontade com esse novo "padrão de movimento" vou soltando aos poucos, não as mesmas palavras, mas definitivamente influenciada pelas experiências por que passei e que transformaram minha narrativa.
Depois do "me=morar" eu era ação pura, um puro extremamente fluido, cheio de elementos diferentes, me dissolvia nas coisas e pessoas. A intensidade de sinceridade com o que vivia em cena transbordaram pra vida cotidiana, fato que poderia ser catastrófico, mas só me fez conhecer limites entre loucura e sanidade. O instinto de vida e de morte ali bem próximos, como aquelas 24h de diferença separadas por um abismo de centímetros de espessura, na “linha da data” (do lado das ilhas Fiji).
Entre a precaução e a ousadia, para viver precisava esquecer. Mas no meio da noite do dia 28 de dezembro, comecei a lembrar de muita coisa, muita coisa que precisava ser lembrada sempre, por isso escrever. 6h vi a manhã nascer e saí pra caminhar, pensando que a vida começava a ganhar muito sentido. Às 9h, no centro da cidade vendo armações de óculos, me surpreendo ao sair da loja. No mesmo momento em que meu corpo adormecia na sensação de que “voltara a viver” e que havia um sentido pra isso, sou atendida por uma vendedora chamada “Vida”. Inacreditável e incompreensível!! Minha única prova é o cartão da loja, que ela me deu assinado com seu nome.
Work in progress, contato improvisação e sincronicidade começavam a fazer muito sentido também. (Jung que fazia anos tinha o livro em casa, mas não conseguia ler, devorei em algumas horas). Era isso: sou uma narrativa e sentidos se conectam, o que é imprevisível, incompreensível em alguns momentos, tamanhas as coincidências que fogem do meu controle. Pensava ter controle sobre essas incrementações na minha narrativa, mas it flow, and I was letting it flow.
No dia 31 arrumei meu quarto. Troquei e criei lugares, adquiri e joguei coisas fora. Depois de 6 anos dividindo o quarto com minha irmã que há 3 meses se casou, ainda não havia conseguido me desvencilhar daquela sensação de coisa compartilhada, quando a gente espera o outro dizer alguma coisa pra depois agir.
"Ou me ensina ou eu faço sem nenhuma orientação!", tive que dizer ao meu pai com a furadeira na mão..rs Enfim um reconhecimento de autonomia. Patriarcado se fazendo presente no cotidiano da minha família: pai que nunca deixara a filha menina furar paredes e lidar com pregos. Minutos depois meu banheiro também já era outro.
Com meu quarto arrumado, andei pela rodovia. Me senti preparada pra viajar. E viajei.